Eu vivo
sozinha; ninguém me procura!
Acaso feitura
Não sou de Tupá?
Se algum dentre os homens de mim não se esconde,
— Tu és, me responde,
— Tu és Marabá!
— Meus olhos são garços, são cor das safiras,
— Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar;
— Imitam as nuvens de um céu anilado,
— As cores imitam das vagas do mar!
Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:
"Teus olhos são garços,
Responde anojado; "mas és Marabá:
"Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,
"Uns olhos fulgentes,
"Bem pretos, retintos, não cor d'anajá!"
— É alvo meu rosto da alvura dos lírios,
— Da cor das areias batidas do mar;
— As aves mais brancas, as conchas mais puras
— Não têm mais alvura, não têm mais brilhar. —
Se ainda me escuta meus agros delírios:
"És alva de lírios",
Sorrindo responde; "mas és Marabá:
"Quero antes um rosto de jambo corado,
"Um rosto crestado
"Do sol do deserto, não flor de cajá."
— Meu colo de leve se encurva engraçado,
— Como hástea pendente do cáctus em flor;
— Mimosa, indolente, resvalo no prado,
— Como um soluçado suspiro de amor! —
"Eu amo a estatura flexível, ligeira,
"Qual duma palmeira,
Então me responde; "tu és Marabá:
"Quero antes o colo da ema orgulhosa,
"Que pisa vaidosa,
"Que as flóreas campinas governa, onde está."
— Meus loiros cabelos em ondas se anelam,
— O oiro mais puro não tem seu fulgor;
— As brisas nos bosques de os ver se enamoram,
— De os ver tão formosos como um beija-flor!
Mas eles respondem: "Teus longos cabelos,
"São loiros, são belos,
"Mas são anelados; tu és Marabá:
"Quero antes cabelos, bem lisos, corridos,
"Cabelos compridos,
"Não cor d'oiro fino, nem cor d'anajá."
————
E as doces palavras que eu tinha cá dentro
A quem nas direi?
O ramo d'acácia na fronte de um homem
Jamais cingirei:
Jamais um guerreiro da minha arazóia
Me desprenderá:
Eu vivo sozinha, chorando mesquinha,
Que sou Marabá!
Análise:
Publicado no
livro Últimos Cantos (1851) durante o
período Romântico, Marabá é Poema integrante da série Poesias Americano. Esse
poema tem 11 estrofes e 54 versos, sendo eles 6 quartetos e 5 sextetos.
O poema
segue o esquema de rimas (AA B CC B / D E F E) esse padrão se repete ao longo
do poema. Quanto aos versos, eles são de 11 e 5 silabas poéticas. Nos sextetos
os versos variam, podendo ser 11 e 5 sílabas poéticas, nos quartetos há uma
predominância de versos com 11 sílabas poéticas com exceção dos dois últimos
quartetos que apresentam uma alternância entre 11 sílabas com um verso de 5
sílabas.
Os versos
quanto ao esquema ritmo seguem o seguinte padrão: (Eu VIvo
soZINha; ninGUÉM me proCUra)
A primeira parte do verso é jambo seguido de um anapésto. O mesmo acontece com o verso seguinte (ACAso feiTUra) , do mesmo modo a primeira
silaba, fraca seguida de um forte, depois duas fracas seguidas de uma forte. A
leitura em voz alta dos versos ecoa feito um tambor, efeito garantido pelo
acento mais forte que recai na 2°, 6° e 10° sílabas.
Ainda encontramos exemplos de supressão de sílabas poéticas em vários
momentos do poema (Se algum dentre os homens de mim não se
esconde) a primeira sílaba é uma união da primeira palavra do verso com a
primeira sílaba da segunda palavra do verso, esse fenômeno é chamado de
sinaléfa. Outro exemplo de sinaléfa seria esse fragmento ("Que as flóreas campinas governa, onde está), a parte em
negrito marca onde ocorre a sinaléfa, ou seja, a formação de um ditongo. Também
há o efeito de ectlipse são neste poema como é o caso de (Teus olhos são garços) a parte em negrito
indica o momento em que a elisão ocorre, a formação de sílaba /zo/. (Qual duma
palmeira), a palavra “duma” também é outro recurso poético largamente usado
pelos poetas para garantir o ritmo e a métrica dentro do poema, esse feito
denomina-se etclipse, ou seja, é a supressão de letras: consoante com vogal,
esse efeito é encontrado em vário outros momentos no poema.
A crase
é outra forma de supressão de sílaba
poética encontrado no poema, ela ocorre quando a vogal átona final de uma
palavra emenda-se com a vogal da palavra seguinte, mas isso apenas acontece
quando as vogais são idênticas, como no seguinte caso (não se esconde), as partes em negrito indicam onde há uma crase.
Captar e
entender os recursos utilizados pelo poeta para a construção do poema é
essencial para a interpretação e leitura adequada. Nesse sentido, partindo de
uma análise estrutural podemos afirmar que a predominância de jambos e
anapestos indicam a dor, sofrimento e solidão sentida pela índia Marabá
expressa no poema. Uma leitura mais atenta perceberá que a índia sofre por não
ser aceita na tribo por ser uma índia mestiça. Ainda há uma repetição de vogais
fechadas ao longo de todo o poema /o/ e /u/ que indicam a dor e a melancolia (Se algum
dos guerreiros não foge a meus passos) em apenas um
verso há a repetição das vogais /o/ e /u/ acentuando a dor e o sofrimento
experimentado pelo eu lírico. Neste outro fragmento (Se ainda me escuta meus agros delírios) a repetição das vogais /e/ e as vogais fechadas assinalam o lamento expressado
pela índia Marabá.
A
frequência com que aparecem sons nasais na maior parte dos versos lembra a um
lamento do eu lírico por sentir-se desprezada. Em comparação com os versos em
que o índio Marabá dirige-se ao eu lírico há uma ausência de vogais fechadas,
ou uma frequência menor de vogais fechadas.
Agora no
que se refere ao uso de figuras de linguagem, encontramos; aliteração,
assonância, hipérbato, símile, personificação, sinestesia, e metáfora. A
começar pelas figuras de linguagem que garantem certa sonoridade e melodia ao
poema. A aliteração do /s/ em vários momentos, tal como podemos constatar neste
fragmento a repetição da consoante sibilante (Mas eles respondem: “Teus longos
cabelos, São loiros, são belos”.). Neste outro fragmento assonância do
/e/ (Bem pretos, retintos...). O hipérbato é um recurso bastante empregado
na poesia, no caso deste poema algumas passagens que podemos destacar um
exemplo de hipérbato, ou seja, a inversão sintática da frase (Se algum dentre
os homens de mim não se esconde,), aqui nós podemos perceber que o objeto da
oração não está no final como geralmente acontece.
O poeta
também se aproveita do uso de imagens e faz comparação do rosto da índia Marabá
com os lírios (— É alvo meu rosto da alvura dos lírios,). Essas imagens são bem
exploradas contribuindo para a construção da desta personagem no poema. A índia
em várias estrofes é descrita para ao mesmo tempo exaltar a sua beleza e
enfatizar a sua frustração por não encontrar o amor por ser mestiça. Em outro fragmento
(As brisas nos bosques de os ver se enamoram), aqui a beleza da índia é posta
em destaque, porque os bosques se enamoram de tanta beleza, caso de
personificação. (Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar) , neste verso, a
beleza da índia é centrado no brilho de seu olhar. Os olhos dela são tão belos
que são comparados à luz das estrelas através de uma metáfora.
Para dar
mais ênfase ao sentimento e a vontade de expressar-se o eu lírico recorre a
mistura de sentidos para tentar alcançar a clareza em transmitir os sentimentos
melancólicos, (E as doces palavras que eu tinha cá dentro/A quem nas direi?),
as palavras doces referem-se ao que a personagem Índia marabá sente, amor e
carinho, mas que ela não pode dizer, porque não quem possa ouvir.
Percebe-se claramente neste poema marcas românticas tal como a figura do índio, mas não um índio qualquer, uma índia Marabá, ou seja, uma índia mestiça que representa melhor o povo brasileiro e a cor-local. O amor melancólico e desesperado também faz parte da temática deste poema. A índia no poema enfrenta uma grande crise amorosa ao sentir o desprezo que ela causa por ser Marabá. A moça “marabá” está desiludida porque, apesar de ser bonita, nenhum dos guerreiros de Tupá a procuram, porque ela é mestiça. Ela não pertence àquele lugar. Em Marabá podemos dizer que apesar do forte lirismo, esse poema não pertence a lírica pura. O eu lírico cede voz às demais personagens: "Quero antes um rosto de jambo corado,
"Um rosto crestado "Do sol do deserto, não flor de cajá."(Neste trecho podemos o índio guerreiro dizendo que prefere uma moça com a pele mais corada, porque a flor de Cajá é um pouco mais clara.)
Percebe-se claramente neste poema marcas românticas tal como a figura do índio, mas não um índio qualquer, uma índia Marabá, ou seja, uma índia mestiça que representa melhor o povo brasileiro e a cor-local. O amor melancólico e desesperado também faz parte da temática deste poema. A índia no poema enfrenta uma grande crise amorosa ao sentir o desprezo que ela causa por ser Marabá. A moça “marabá” está desiludida porque, apesar de ser bonita, nenhum dos guerreiros de Tupá a procuram, porque ela é mestiça. Ela não pertence àquele lugar. Em Marabá podemos dizer que apesar do forte lirismo, esse poema não pertence a lírica pura. O eu lírico cede voz às demais personagens: "Quero antes um rosto de jambo corado,
"Um rosto crestado "Do sol do deserto, não flor de cajá."(Neste trecho podemos o índio guerreiro dizendo que prefere uma moça com a pele mais corada, porque a flor de Cajá é um pouco mais clara.)
A moça
(eu lírico) também delira e sofre por amor. “Se ainda me escuta meus agros
delírios:” Os amargos delírios a consomem e ela sempre se tem rejeitada pelos
homens da tribo. O modo como o eu lírico
descreve o espaço misturando esses elementos com a descrição da própria moça,
espaço e personagem se fundem. Carregada de metáforas e outras figuras de
linguagem que trazem a moça e o espaço com um único elemento: "És alva de
lírios", e “As brisas nos bosques de os ver se enamoram,
— De os ver tão formosos como um beija-flor!”“. Essas figuras exaltam o elemento paisagístico.
— De os ver tão formosos como um beija-flor!”“. Essas figuras exaltam o elemento paisagístico.
Ainda é
importante dizer que Gonçalves Dias foi mestiço e sofreu muito por isso. Essa
origem mestiça causou grande frustração na sua vida impedindo-o de se casar com
Ana Amélia e que aparentemente o poeta jamais se recuperaria desse evento. A
frustração experimentada por essa índia também é a mesma frustração
experimentada pelo próprio poeta que é impedido do amor verdadeiro por sua
origem mestiça.
otimo
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